sábado, 31 de maio de 2008

Conto: capítulo 6 de os mutilados

O céu do parque Villa Lobos
Fiquei um tempão abrindo e fechando o armário, experimentando roupa, gastando o espelho até optar por um vestido azul, um pouco transparente। Ele tinha estofo। Outro tanto de tempo tinha ficado debaixo do chuveiro, me aguando, tentando tirar o gosto de hospital da minha pele. Saí cheirosa, nervosa. Quando o telefone tocou demorei a falar. Ele me esperava o tempo que fosse preciso, tranqüilo. Não acreditei quando parei com meu carro preto e ele sentou ao meu lado, com seu beijo gostoso, rosto fino, seu sorriso agradável, que contrastava com todas as discussões que já tínhamos vivido via e-mail, on-line, telefone. Era mais do que eu poderia esperar. Quase atropelei um pedestre antes dele apertar a trava do cinto e gastei apenas duas quadras para entrar no restaurante que ele mesmo tinha escolhido para comermos massa com camarão, distantes um do outro, num espaço primorosamente calculado por mim. Ele colocou a mão embaixo da minha cadeira e o arrastou para mais perto, gesto seguro. Eu queria parecer estranha em nossa conversa, idêntica ao que acontecia na internet. Pagou a conta e eu só tive chance de mostrar minha carteira de couro nova. Percorremos o restaurante esvaziado, descemos para pegar o carro e, na porta, colocou a mão na minha cintura, e me encostou. Foi tudo. Colei-me nos seus lábios, virei de frente e dei o abraço da minha vida. Delicadamente ele me puxou para a sombra e continuou, diante do olhar atônito dos seguranças e outro casal de clientes que aguardava o mesmo que nós. Vi meu carro negro por cima do seu ombro. Sentou e disse apenas: “para onde você vai me levar?”. Ao contrário do que eu mesma esperava, nos levei para um parque. Andamos abraçados pelas quadras de tênis, cheias de tenistas voltados para seus jogos. Me apertava mais e mais, esfregava sua mão na minha cintura, na minha bunda, cadenciado com os meus passos. Nos conduziu para o meio das árvores, foi entrando até que não ouvimos mais o bater das bolas. Desceu das costas sua pequena mochila, tirou um tecido branco e fino que voou com o vento fazendo ondas, pousou na relva. Me abraçou, beijando, foi fazendo um caracol com nossos corpos até deitarmos um sobre o outro, rolamos. Foi levantando o meu vestido, substituindo o azul pelo branco, translúcidos, me envolvendo. Deitada, percebi que os galhos das árvores ficaram ainda mais lindos. Amei muito.