terça-feira, 20 de maio de 2008

conto

Meu amigo me acordou, caindo da cama. Expeliu um líquido amarelo indiano sobre o colchão azul rei. O lençol, azul celeste, tinha escorrido para as pernas; se enrolaram. Tive que acorda-lo e repô-lo na cama. O travesseiro amarelou. Fábia entrou no quarto, assustada e completou o que eu tinha que fazer. Tomei um longo banho frio, cachoeirado, coloquei uma roupa zen e saí. Ao jornaleiro do sinal luminoso, que encontro a qualquer hora que eu passe por ali, sempre ativo, eu entreguei dois reais e lhe disse. “doe um jornal a uma pessoa que você ache que merece.” “quem, patrão?” perguntou ele. “a uma pessoa que você ache que merece”.Repeti. “mas qual é o seu nome?”. Peguei dois ônibus e estou aqui, sentado, uma hora antes do combinado, bebendo um pote de yogurte, sentado numa mesa de damas, na porta de um bar fedorento. Tudo está fechado, menos as janelas dos ônibus que passam. Tem uma estátua de um homem sorrindo, de pé, com um livro aberto nas mãos, mas o seu pé esquerdo está no ar, não encosta no chão. Me lembrou a escultura de grávida que fazia em Vincennes. O professor olhou atentamente e disse apenas: “ eu não sinto que ela está grávida”. Preferi fazer a escultura na mulher que me amava. A gestada, hoje adulta, canta, enquanto eu escrevo. Só voltei a fazer esculturas quatorze anos depois e não mais. Tem três cavalheiros nas mesas na minha frente e nenhuma dama. A hora chegou.