sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

conto 10 de os mutilados

Luiza de Ouro
(poema de amor para uma personagem fictícia)
Mesas cheias. As pessoas circulavam pelo shopping matando o tempo, as mulheres com seus celulares no ouvido confirmando o combinado, sempre aos casais. Os homens, elegância arranjada, exibiam suas barrigas, orgulhosos. Destoavam. Minha espera foi longa e pude me deliciar com as mulheres, altas em seus saltos, bem vestidas, penteadas. Atrizes subiam e desciam pela escada rolante como aeromoças, de um lado para o outro no corredor de um avião. A garçonete encostou a barriga na mesa e colocou o café. Luiza demorada me flagrou apertando o celular nas mãos. Sentou e pediu água com seu vestido curto, bege de flores amarelas, pequeninas. As pernas apareciam sobre uma sandália da cor do vestido. Parecíamos um para o outro. Nossas roupas e sapatos diferiam muito daquele uniforme de boutique, exibido ali, naquela noite de sábado. Tal qual ao telefone ela falava baixinho, um pouco emocionada com a caixa de bombons vermelhos que eu levei, combinando com tudo. Sua voz cadenciava em ondas. Ela nunca ligara para mim. Tive que descobrir que sua paixão era do tamanho da minha por vias inacreditáveis, que nem vou contar aqui. Pareceria ridículo. Tinha tido algumas experiências de encontros feitos através da internet, mas Luiza tinha sido a primeira que eu chamara on-line, telefonava, conversava pausadamente, ouvindo sua voz macia como sua pele, agora tocada. Parecia que nunca a veria. Tinha combinado de fotografá-la, mas sempre havia outras prioridades. Ficamos ali muito tempo no saguão. Passou o tempo das peças, todo o espaço encheu e esvaziou. Falamos de nós, tocando os dedos, olhar, uma ponta de cabelo, nossas unhas. Para nós (ela também confessara) era uma situação inacreditável. Tudo ia fechando e nós nos abrindo, entramos no seu carro e fomos até a praia, areia seca, tirando os sapatos, encharcando os pés no mar. Sentamos numa elevação de areia e ela me beijou gostoso, nossos corpos grudados. O sol apareceu, tímido no fundo do oceano, e nos iluminou no amor. Voltei para casa, com a caixa de bombons debaixo do braço e sua voz de telefone na minha memória. Nunca mais vi Luiza, a não ser nesse sonho.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

poesia

de limitado
pelas águas, pelas mágoas.
pelas ondas e pela espuma.
pelo amor de menos
e a invasão do que
parece amor demais.
de limitado pela
falta de limite.
por acreditar no que
quase ninguém acredita.
pela impossibilidade
do possível.
pela razão pura
de que é preciso
acreditar, sempre...de limitado pelas
lágrimas, que
não param de cair.pelo voo aéreo...
desejo...
metáfora da conquista
pelo que já disse
da falta de limite
E pela distância....vitória é o meu rio...

domingo, 9 de novembro de 2008

conto

mas estava triste, cabisbaixo, sofrido, de um sofrimento que estranhava porque tinha uma vida feliz e satisteira, estava aceitando a vida da maneira que ela era e estrava muito essa espécie de torpor...

conto

a tristeza sem fim hoje é minha, nesse domingo de tempo fechado. ouço bach, alegro, para acalmar minha alma e entrar dentro de mim mesmo, assumir a minha tristeza profundamente, num dia em que tenho o direito de nao fazer nada a nao ser estruturar a minha alma e esquecer que o meu cérebro, de raciocínios deve as vezes dar espaço para amar e ser amado com menos apego e mais sinceridade e grandeza.

9 de Novembro de 2008 12:53

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

conto


Quinze de agosto, meu avô faria cento e vinte e seis anos e meu amigo gonçalo faz cinqüenta। Você me acha por e-mail. Eu fico nervoso com as louras, se for linda então complica mais. Chego na plataforma do metrô e uma loura do perfil dela me olha de longe, vou na direção como se fosse, mas não falo nada, fico na sua frente, os dois desconcertados. Tenho vontade de falar não consigo. As portas se abrem deixo todos entrarem e ocuparem os assentos. Fico de pé em frente. Chega um senhor de muletas, ela oferece e ele recusa. Na próxima parada a pessoa do lado dela desce. Vou e também pergunto se ele não quer sentar, recusa. Sento. Ela está, como eu, mexida, pega o celular e pluga o som, bate os pés no chão ao ritmo da música. Catete station, diz a locutora, locutora ou loucutora? Não sei o que fazer. Minha vida de sedutor está chegando ao fim e não sei o que faço com isso. Não estou acostumado. Glória station. A minha vida agora parece que vai ser um romance e o que disse para uma amiga parece que vai acontecer comigo: “voce agora vai viver um grande amor”. Mas eu estava falando dela. Decido que vou deixar ela descer. Carioca station. Talvez o medo da lourice seja da minha mãe, não sei. Ela, o meu amor, é a minha mãe loura. Será? Mas como eu vou deixar uma mulher linda passar sem fazer nada? Escrevo isso tudo enquanto penso, num caderno azul tibetano. Talvez esteja escrevendo para lidar com essa situação, para a ficção se separar da realidade. Mas isso é realidade ou ficção? Poder lidar com essa situação estranha, da mesma forma que ela está fazendo com o celular, ouvindo musica, disfarçando. Como lidar com essa situação de amor, de sedução, de atração, enfim dessa distância entre o masculino e o feminino. Estou com fome. Nunca se imagina que vamos ficar tanto tempo junto de uma pessoa, como esta, com uma mulher linda ao meu lado, que ouve música, enrola o cabelo louro com os dedos esquerdos. Eu sou escritor. Posso pegar o e-mail dela e mandar o que estou escrevendo. Ensaio, ensaio e não sai. Será que me volto para cá ou para vitória. Não há dúvida, vitória é presença. Chega a minha estação, desço triste, nervoso, agitado, faminto.15 de agosto de 2008
a ilustração é uma fotografia de márcia monteiro.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

conto

a loura anunciada
morava na beira do mar e vivia pintando. não que naquele momento vivesse exatamente de pintura, mas pintava porque o seu movimento de corpo exigia. vivia do sonho de que viveria de pintura e bebia muita água. tinha um sala ampla com um piano de calda, onde, para chegar aos vazios, dedilhava uma música ou outra acompanhando o som do triunvirat. ouvia sempre as mesmas músicas para variar quando pincelava. nunca entendia as letras, mas isso não era importante. O ritmo é que embalava a pintura. por vezes misturava com mozart, vivaldi e bach. estava sòzinho. a campainha soou e ele abriu a porta para o tarólogo esperado, que sentou, abriu as cartas e sentenciou a sua vida amorosa: “você vai voltar para paris com uma perspectiva de sucesso não sei em que, mas com uma mulher loura de olhos verdes. você vai conhecê-la numa festa e será um amor a primeira vista”.
26 de dezembro de 1992

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

conto

conto do livro comum.
sou apaixonado por você desde o dia que te vi, delicadamente segurando um quadro do buda. te beijei porque achei que te conhecia e não me dei conta que o seu rosto é padrão de beleza do meu tempo. todos a copiam: atrizes, jogadoras de tênis, modelos de jeans e até a namorada do homem aranha. mas você tem um homem feio na cartola que me deu vontade de ser o mais belo dos feios. e parece que consegui. sinto que te emociono. ontem, sem saber porque, comprei um livro para nós dois. lindo e lido vou deixar com você enquanto não moramos na mesma casa.

sábado, 30 de agosto de 2008

conto

Fome
Poema de amor para uma noite infinita
Ele ficou de frente para onde em vinha, um degrau mais alto. Fiquei descalça enroscada nos seus braços, alisando meus cabelos. Me desabotoou. Enfiou muitas mãos por dentro do meu capote, me beijando, alisando minha pele através da seda. Andamos até o quiosque onde pedi um sanduíche de queijo com fanta (adoro fanta). Viramos e ele se encostou numa parede cega do quiosque onde só o mar nos via, me abraçou, abriu de novo os botões grandes do capote preto que coloquei nem sei porque e foi me abrindo. Encostou as mãos na minha pele, subindo pelas costas, passando para a frente. A ponta dos seus dedos tocaram meus seios, rígidos, estremecida. Seu corpo se encantou com o meu, boca deslizada pela minha. Desceu as mãos por dentro da calça, seu antebraço enroscado, quatro coxas como que não existindo tecidos entre elas. Meu coração vinha e voltava, emoção pura. Olhou nos meus olhos, girou o corpo e me levou mão dada até a areia, perto da água fria e salgada. Equilibramos. Me deitou, abraçando. Abriu delicadamente o feche-eclair das duas calças e nos amamos muito. Ficamos abraçados. Levantou-me pela mão e retornamos a parede cega onde o rapaz do quiosque tinha deixado o sanduíche de queijo, ao lado da fanta que adorei ainda mais. Saciei minha fome.

terça-feira, 29 de julho de 2008

pensamento

toda vez que você escrever para uma pessoa que você ama, escreva como se estivesse escrevendo um livro.

sábado, 12 de julho de 2008

conto

O monge zen estava dando ensinamentos para treze discípulos. Não era um espaço grande, mas três janelas abertas numa esquina urbana fazia a voz dele oscilar. Após a prática, na mesa de café coletivo três discípulos se manifestaram.
- não se ouvia bem o que o senhor falava – disse o primeiro.
- faz parte da prática – respondeu o monge.
- eu só ouvi um dos três koans que o senhor falou.
- lide apenas com o koan que você ouviu.
- mas eu – se manifestou o terceiro – não ouvi nada.
- fique em silêncio.

sábado, 31 de maio de 2008

Conto: capítulo 6 de os mutilados

O céu do parque Villa Lobos
Fiquei um tempão abrindo e fechando o armário, experimentando roupa, gastando o espelho até optar por um vestido azul, um pouco transparente। Ele tinha estofo। Outro tanto de tempo tinha ficado debaixo do chuveiro, me aguando, tentando tirar o gosto de hospital da minha pele. Saí cheirosa, nervosa. Quando o telefone tocou demorei a falar. Ele me esperava o tempo que fosse preciso, tranqüilo. Não acreditei quando parei com meu carro preto e ele sentou ao meu lado, com seu beijo gostoso, rosto fino, seu sorriso agradável, que contrastava com todas as discussões que já tínhamos vivido via e-mail, on-line, telefone. Era mais do que eu poderia esperar. Quase atropelei um pedestre antes dele apertar a trava do cinto e gastei apenas duas quadras para entrar no restaurante que ele mesmo tinha escolhido para comermos massa com camarão, distantes um do outro, num espaço primorosamente calculado por mim. Ele colocou a mão embaixo da minha cadeira e o arrastou para mais perto, gesto seguro. Eu queria parecer estranha em nossa conversa, idêntica ao que acontecia na internet. Pagou a conta e eu só tive chance de mostrar minha carteira de couro nova. Percorremos o restaurante esvaziado, descemos para pegar o carro e, na porta, colocou a mão na minha cintura, e me encostou. Foi tudo. Colei-me nos seus lábios, virei de frente e dei o abraço da minha vida. Delicadamente ele me puxou para a sombra e continuou, diante do olhar atônito dos seguranças e outro casal de clientes que aguardava o mesmo que nós. Vi meu carro negro por cima do seu ombro. Sentou e disse apenas: “para onde você vai me levar?”. Ao contrário do que eu mesma esperava, nos levei para um parque. Andamos abraçados pelas quadras de tênis, cheias de tenistas voltados para seus jogos. Me apertava mais e mais, esfregava sua mão na minha cintura, na minha bunda, cadenciado com os meus passos. Nos conduziu para o meio das árvores, foi entrando até que não ouvimos mais o bater das bolas. Desceu das costas sua pequena mochila, tirou um tecido branco e fino que voou com o vento fazendo ondas, pousou na relva. Me abraçou, beijando, foi fazendo um caracol com nossos corpos até deitarmos um sobre o outro, rolamos. Foi levantando o meu vestido, substituindo o azul pelo branco, translúcidos, me envolvendo. Deitada, percebi que os galhos das árvores ficaram ainda mais lindos. Amei muito.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

pensamento

paixão é posse।
amar é fazer tudo para a pessoa que você ama ser feliz.
tudo mesmo.

terça-feira, 20 de maio de 2008

conto

Meu amigo me acordou, caindo da cama. Expeliu um líquido amarelo indiano sobre o colchão azul rei. O lençol, azul celeste, tinha escorrido para as pernas; se enrolaram. Tive que acorda-lo e repô-lo na cama. O travesseiro amarelou. Fábia entrou no quarto, assustada e completou o que eu tinha que fazer. Tomei um longo banho frio, cachoeirado, coloquei uma roupa zen e saí. Ao jornaleiro do sinal luminoso, que encontro a qualquer hora que eu passe por ali, sempre ativo, eu entreguei dois reais e lhe disse. “doe um jornal a uma pessoa que você ache que merece.” “quem, patrão?” perguntou ele. “a uma pessoa que você ache que merece”.Repeti. “mas qual é o seu nome?”. Peguei dois ônibus e estou aqui, sentado, uma hora antes do combinado, bebendo um pote de yogurte, sentado numa mesa de damas, na porta de um bar fedorento. Tudo está fechado, menos as janelas dos ônibus que passam. Tem uma estátua de um homem sorrindo, de pé, com um livro aberto nas mãos, mas o seu pé esquerdo está no ar, não encosta no chão. Me lembrou a escultura de grávida que fazia em Vincennes. O professor olhou atentamente e disse apenas: “ eu não sinto que ela está grávida”. Preferi fazer a escultura na mulher que me amava. A gestada, hoje adulta, canta, enquanto eu escrevo. Só voltei a fazer esculturas quatorze anos depois e não mais. Tem três cavalheiros nas mesas na minha frente e nenhuma dama. A hora chegou.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

conto

Te conheci e achei que te conhecia. Ledo engano. Você estudava fotografia comigo. Depois, de cabelos vermelhos, beijava o homem aranha de cabeça para baixo. Comprei dos seus cabelos castanhos o anel que tenho no dedo. Era um período em que não só meus dedos estavam nus. Todo estava. Não hesitei. Não sei se pelo dourado do ouro ou por você, naquela época, estar incompleta. Completei. Hoje, de perto, vejo que seus cabelos são escuros, quase negros e brilham contrastando com a sua pele leitosa, tranqüila: uma boa combinação pictórica. Não me confundi de todo. Já vi você como campeã de tênis, amando um ator. Mas seus cabelos eram loiros? Seus dentes são lindos. Me lembrava deles sempre desencontrados e me mantive distante. Não tinha outra solução. Agora ima, rima, anima... Descubro que você é macaco e vive cercada de quatro “gatos”. Me entristece e alegra. Fotografias de uma paris imaginária, tripés e câmeras, varanda e sorvete de abacaxi, que descasco o enigma, mistura fritas com biscoito doce, suco de uva e muita água. Aguado e mudo, mudo o roteiro e vou direto para o zen. Você me faz bem.
13 de aquário de 2008

sábado, 17 de maio de 2008

conto

Três crianças e uma mãe comem sanduíches ao meu lado. Ela chega, me beija e volta para sua loja de imóveis, recebendo móveis. Um homem de vermelho comenta a camisa preto e branco botafogo e a menina do meio diz que é vasco e que seu irmão pequenino é flamengo. Estamos na barra e a barra no hospital está pesada. Vim de lá. Cuidava de pacientes e agora estou esperando para cuidar de outro. Germana está bem, sua mãe ruth já está desentubada. Pago o café que tomei, atravesso a praça e sento no banco largo, de madeira, onde conversamos em yoga. Pierre Louis corta cabelos em frente, faz unhas, massageia o ego dessas mulheres que não param de querer ser sempre mais belas. E conseguem. Penso na pintura da andréa, nos seus olhos que falam, reforçados pelo próprio falar. Marie-laure, qual é o seu nome de escritora? Pergunto. Quero ler o que você escreve, falo para o vento e, não consigo resposta. Ela está ocupada escrevendo seu último livro. Não é último, último. É último porque é o último que ela escreve. Depois vem mais. Quero vê-la, conhecê-la, saber dela. Daniel falou tão bem que deu vontade: vou te arranjar uma namorada. Você é feliz mas está muito só. Vai gostar de conversar com marie-laure. Ela é francesa, como você e escritora. Mas eu não sou francês, repico. Apenas vou voltar para paris que é o meu lugar, replico. Você entendeu o que eu disse, diz ele. Além de tudo ela é bela e dois franceses que não bebem vinho é raro. Só podem se dar bem. E ela? Pergunto para mim mesmo. Levanto os olhos para pensar e Pierre Louis faz sobrancelhas. Olho em volta e as crianças agora tomam suco de laranja, uma delas, no colo do motorista que veio render a mãe, enquanto ela leva a camisa do botafogo para fazer pipi. A mãe volta sem a camisa e todos vão embora nas minhas costas. Será que botofogo? O tempo fecha, o sol desaparece e eu que troquei o pé de pitanga por cerejeiras. Ela, de longe me chama para lá e eu a chamo para cá. São cinco e meia e esse prá-lá-e-prá-cá ainda tem trinta minutos para terminar. Isso se tudo se cumprir. Cedo e vou.